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terça-feira, 14 de setembro de 2010

Professor, vale a pena ler. ENTREVISTA COM CELSO ANTUNES

Cinco ervas para a escola pública
Uma festa ia ser realizada num pequeno município. Para isso, a população se preparou cuidadosamente, escolhendo suas melhores roupas. No início do evento, porém, chegaram ladrões, renderam todos e pediram para que tirassem as roupas. As mulheres começaram, então, a reparar umas nas outras. As insatisfeitas com o corpo por gordurinhas e peles em excesso quiseram saber das outras qual o segredo para manter a forma. As benfeitas indicaram um chá de cinco ervas. A princípio, o público presente no 8º Congresso Internacional de Tecnologia na Educação, na última quinta-feira, no Teatro Guararapes, no Centro de Convenções de Pernambuco, não compreendeu o porquê de Celso Antunes, um dos educadores mais renomados do País, ter começado uma palestra sobre ensino de qualidade na escola pública dessa forma. Mas logo a metáfora foi entendida. “A escola pública está nua”, afirmou o palestrante, argumentando que os números revelados por exames como Enem e Ideb expõem a situação crítica da educação no Brasil. As “cinco ervas”, segundo ele, seriam os pilares fundamentais para reverter essa situação: gestão comprometida, professores motivados, alunos interessados, pessoal não docente com consciência de educadores e comunidade envolvida nos trabalhos da escola. Durante sua passagem pelo Recife, Antunes, autor de mais de 200 livros e mestre em ciências humanas, conversou com o Jornal do Commercio.
JORNAL DO COMMERCIO – O ensino básico da escola pública já foi considerado melhor do que o da escola privada. O senhor acredita que é possível voltar a essa época?
CELSO ANTUNES – Tenho mais de 50 anos de experiência dentro de escolas. Fui aluno e professor dessa escola pública de qualidade. Mas o ensino público era elitista. A escola era pública, mas para poucos. Quando o Brasil resolveu universalizar o ensino, a qualidade caiu. Então, voltar, eu acho difícil, porque vivemos outro momento, outras circunstâncias. A escola deu um salto de quantidade e perdeu a qualidade. Massificar não é fácil.
JC – Entre os princípios defendidos pelo senhor para uma boa escola pública está a gestão comprometida. Mas o senhor acha que há uma fiscalização eficaz por parte do governo para que isso possa acontecer?
ANTUNES – A fiscalização é praticamente nula. O que se tem visto é que se dá um crédito de confiança aos gestores. Isso acontece de maneira mais acentuada nas escolas estaduais. Nas municipais o índice é menor, porque quando o secretário de educação é comprometido impõe regras ao gestor. E, nesses casos, é mais fácil de cobrar, pois o secretário está mais perto das escolas.
JC – Em muitos lugares, como em Pernambuco, nem sempre os secretários de Educação têm formação na área. Isso influencia de forma negativa?
ANTUNES – O ideal é que o secretário tenha, sim, alguma formação na área de educação. Imagine um secretário de Saúde que não seja médico, esteja lá somente para servir como cabo eleitoral. Não funciona. Acredito que esse é um dos fatores que colaboram para os índices de educação caírem no País. E ainda acho que titulação não é tudo. Além de ser professor, um gestor precisa ter comprometimento.
JC – Nas suas palestras, o senhor cita o caso de uma escola no interior do Rio Grande do Sul onde é realizado o “intervalo inteligente”, em que profissionais de áreas como música e artes ensinam aos alunos. São voluntários que realizam esse trabalho?
ANTUNES – Sim. É interessante envolver a comunidade nas atividades da escola e capacitar o aluno para além daquilo que está no currículo do ensino básico.
JC – Mas voluntariado sempre dá certo? Em alguns lugares pode não ser viável...
ANTUNES – É, mas as escolas deveriam, ao menos, abrir a possibilidade. A ideia é válida.
JC – O senhor sugere que o pessoal não docente esteja empenhado em ajudar nas atividades da escola. Mas a realidade de muitas escolas públicas hoje é a seguinte: muitas dessas pessoas não cumprem sequer o seu papel. Por exemplo, há escolas em que existem profissionais contratados para fazer a limpeza e a escola é suja.
ANTUNES – O que é preciso é crer que quem trabalha numa escola precisa ser um educador. Independente de ser professor. Pode ser um segurança, um faxineiro, um técnico, precisa estar preparado para atuar como educador, ser comprometido com a ideia de educar.
JC – Adquirir recursos tecnológicos é uma forma de melhorar o ensino nas escolas?
ANTUNES – Existem mitos que envolvem a educação e esse é um deles. Se o professor não for preparado para utilizar esses materiais de maneira adequada, não adianta investir em tecnologia. E não falo em preparo técnico. Você pode saber usar o Power Point, mas, em sala de aula, isso não é suficiente, precisam ser criados mecanismos de interação. Do contrário, a aula fica desinteressante. Mas, muitas vezes, observamos iniciativas bem-sucedidas em escolas sem o uso desses recursos.
JC – Uma das maiores reclamações dos professores é em relação aos baixos salários pagos no Brasil. Isso tem relação direta com a qualidade?
ANTUNES – São duas coisas diferentes. O professor deve e merece ganhar mais. O que não aceito é a afirmação de que apenas o salário vai melhorar a qualidade do ensino. Pegue um médico horrível, dê a ele um bisturi e dobre o seu salário para ver. Seu trabalho continuará ruim. Com o professor ocorre o mesmo.
JC – As escolas privadas são realmente melhores do que as públicas?
ANTUNES – A vantagem da escola privada é poder demitir um professor ruim. Na pública, o professor é intocável. Mas esse é um dos outros mitos da educação brasileira, o de que a escola privada é melhor. É verdade que em avaliações como o Enem e o Ideb sempre há escolas privadas no topo. Mas também há muitas públicas que atingem boas notas.
JC – Mas não seriam aquelas públicas ocupadas por estudantes de classe média alta, como os colégios de aplicação?
ANTUNES – Nem sempre. Trago como exemplo uma escola municipal de Indaiatuba, no interior de São Paulo, que visitei recentemente. A escola consegue atingir bons índices porque a secretária de Educação é comprometida, a gestora também e, consequentemente, exigem professores comprometidos, alunos interessados, preparam o seu pessoal não docente e envolvem a comunidade nas atividades. Esses pilares são fundamentais.
Amanda Tavares atavares@jc.com.br

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